quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Antes que Anoiteça*



Por Josenias Silva


Queridos amigos:

Devido ao meu precário estado de saúde e à terrível depressão emocional que me impossibilita de continuar a escrever e a lutar pela liberdade de Cuba, estou pondo fim a minha vida. Nos últimos anos, mesmo me sentindo muito doente, pude terminar minha obra literária, na qual trabalhei por quase trinta anos. Deixo-lhes pois como legado todos os meus terrores, mas também a esperança que em breve Cuba será livre. Sinto-me satisfeito por ter contribuído, mesmo que modestamente, pelo triunfo da liberdade. Ponho fim a minha vida voluntariamente porque não posso continuar trabalhando. Nenhuma das pessoas que me cercam estão comprometidas nesta decisão. Só há um responsável: Fidel Castro. Os sofrimentos do exílio, a dor de ter sido banido, a solidão e as doenças contraídas no desterro – certamente não teria sofrido isto se pudesse ter vivido livre em meu país.

Conclamo o povo cubano, tanto no exílio quanto na Ilha, a seguir lutando pela liberdade. Minha mensagem não é uma mensagem de derrota, mas sim de luta e esperança.

Reinaldo Arenas, Antes que Anoiteça, 2009, p.377.



Há exatos 21 anos morria Reinaldo Arenas (1943-1990), escritor e poeta cubano dos mais perseguidos pela ditadura de Fidel Castro.




Arenas, como ele mesmo se considerava, era um dissidente em todos os sentidos, não era religioso, era homossexual e anti-castrista. Condições suficientes para mantê-lo sempre sob a mais rígida vigilância dos aparelhos de repressão montados por Fidel nos anos seguintes à “revolução”.

Embora ainda na juventude tenha se alinhado aos mesmos ideais revolucionários que motivou o bando de Castro a tomar o poder, Arenas nunca deixou de ser um fora de lugar, um exilado de si mesmo, alguém consciente da sua própria condição e a do seu povo.

“E nós, cubanos, que sofremos durante vinte anos uma perseguição violenta, num mundo terrível, somos pessoas que não podem encontrar tranqüilidade em lugar nenhum; o sofrimento nos marcou para sempre, e talvez possamos encontrar certa comunicação somente com pessoas que tenham sofrido como nós.” (Arenas, 2009, p.366).

Um pouco antes de suicidar-se, em 7 de dezembro de 1990, ele deixou várias cópias da carta transcrita no início desse texto. Nela, como se pode perceber, ele culpa única e exclusivamente Fidel Castro por todos os sofrimentos e infortúnios que passou enquanto viveu em Cuba. Arenas deixou várias obras publicadas, assim como uma autobiografia (Antes que Anoiteça) em que narra de forma crua a sua vida, as suas paixões e a sua luta contra a intolerância e a perseguição política durante a ditadura de Castro.

Reinaldo Arenas se tornou um símbolo da resistência e da luta a favor da liberdade na ilha cubana. Sua morte, mais que um brado de indignação, representa um ato de revolta contra todas as ditaduras, contra todas as formas de intolerância, principalmente a sexual, e contra toda e qualquer coerção, principalmente a do pensamento.


Arenas, que o mundo (sempre ingrato para os bons) não te esqueça.



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*Dica: Em 2000 a vida de Reinaldo Arenas foi levada ao cinema no filme Antes do Anoitecer (Before Nigth Falls), o filme foi inspirado na autobiografia do autor. Vale a pena assistir tanto ao filme quanto ler a obra, desta escreverei minhas impressões em outro post. 
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