quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Macabéa e Olímpico de Jesus*





Por Clarice Lispector






Olímpico de Jesus trabalhava de operário numa metalúrgica e ela nem notou que ele não se chamava de “operário” e sim de “metalúrgico”. Macabéa ficava contente com a posição social dele porque também tinha orgulho de ser datilógrafa, embora ganhasse menos que o salário mínimo. Mas ela e Olímpico eram alguém no mundo. “Metalúrgico e datilógrafa” formavam um casal de classe. A tarefa de Olímpico tinha o gosto que se sente quando se fuma um cigarro acendendo-o do lado errado, na ponta da cortiça. O trabalho consistia em pegar barras de metal que vinham deslizando de cima da máquina para colocá-las embaixo, sobre uma placa deslizante. Nunca se perguntara por que colocava a barra embaixo. A vida não lhe era má e ele até economizava um pouco de dinheiro: dormia de graça numa guarita em obras de demolição por camaradagem do vigia.

Macabéa disse:

– As boas maneiras são a melhor herança.

– Pois para mim a melhor herança é mesmo muito dinheiro. Mas um dia vou ser muito rico disse ele que tinha uma grandeza demoníaca: a sua força sangrava.



Clarice Lispector, A Hora da Estrela, 1984, p.68.


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