terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Todas as cartas de amor...*



Por Josenias Silva




Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

(Poesia de Álvaro de Campos) 

In: Fernando Pessoa, Obra Poética, 1972, pág. 399.


Alguém ainda escreve cartas de amor?

Com toda essa onda de orkut, twitter, facebook e outras parafernálias atuais, o amor passou a ser declarado em mensagens coletivas e gifs "animados" (diga-se, coisa da mais total falta de criatividade). Acabou-se a pessoalidade, a letra tremida, o impulso em pegar um papel, uma caneta e declarar anonimamente ou publicamente um amor, uma paixonite, que seja.

Até mesmo a possibilidade de se guardar uma ou outra destas cartas de amor deixou de existir. Assim como deixou de existir o cheiro, a textura e até mesmo o sabor de algumas cartas mais adocicadas, aquelas que se enviavam junto com algum docinho ou coisa do tipo. Já receberam assim? Cartas doces, beijadas, cheirosas, manchadas de lágrima, cheias de ternura ou de sangue? Cartas de amor ou desamor, de início ou fim de alguma coisa. Cartas assim, deliciosamente palpáveis, hoje encontram-se num avançado estado de extinção.


Agora "arquivamos" tudo, quero dizer, transformamos a sequência binária recebida (o amor em Kb´s, Mb's e Gb's) em arquivos datados e referenciados e guardamos na  coisa mais surreal que já se inventou, a internet. Arquivamos tudo num poço sem fundo. É o destino desse amor que vem zipado, em forma de emotions, cards, carinhas e boquinhas das mais insossas possíveis. Esse é o amor no tempo da economia dos sentidos, na era da digitalização e da efemeridade. 

Enfim, não sou piegas e tampouco me considero romântico, sou realista o suficiente para entender que o tempo muda as coisas, mas também sou sincero para dizer que nem sempre essas mudanças são para melhor. No caso das cartas de amor, revela-se apenas que as declarações de amor estão cada dia mais rarefeitas, ficando virtualmente sem graça. Embora as pessoas continuem amando e tendo filhos, amando e tendo filhos, amando e tendo filhos.... ad infinitum.

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