Por Ignácio de Loyola Brandão
- Alô, sorriu a puta. Coxas de fora, saída de um filme de Fellini, instalada na porta do hotel-bar-cassino. No alto de uma escada, fliperamas lampejam sinais luminosos.
- Alô.
Ela disse qualquer coisa em alemão. Devia corresponder aos nossos: Vamos fazer nenê? Quer uma coisa diferente? Bunda e língua. Que tal um amorzinho? E daí em diante.
- Ich verstehe nicht (não entendo), respondi.
- Lat’s make love?
- Wieviel? (Quanto?)
- Depende.
- Do quê?
- Do que você gosta.
- Normal.
- Não parece.
- Tenho cara de gostar do quê?
Fiquei curioso.
- Eu sei aqui comigo.
- Diz.
- Lá em cima.
- E se você não faz o que gosto?
- Não existe uma puta em Berlim que faça o que eu faço.
- Quanto?
- 50 marcos para você. Tem cara de bom sujeito.
- Você acabou de me dizer que não pareço normal.
- Um homem pode ser um bom sujeito e não gostar de coisas normais.
- 50 marcos é muito para mim.
- 40, então, mas tem de ser rápido.
- Demoro.
- Está brincando? Você é o quê? Não tem cara de turco. Francês?
- Brasileiro.
- Não são bons de cama.
- Como sabe?
- Tenho quatro clientes.
- Podem ser exceções.
- Peguei logo os quatro piores? Não, tem umas putas que são brasileiras e elas dizem a mesma coisa.
- Bem, só tenho 25 marcos.
- E pensa que vai fazer o que com isso?
- Amor com você.
- Com esse dinheiro você sobe e faz sozinho.
- Prefiro o peep-show, é mais barato.
- Só que lá você fica fechado na cabine. Aqui é no quarto e você pode tocar em mim com uma das mãos.
- Só com uma?
- A outra está ocupada, não é?
- É.
- Vai ou não vai? Estou perdendo fregueses com toda essa conversa.
Oito da noite, terça-feira, ninguém na Potsdamerstrasse, a não ser os habitantes drogados e bêbados. Na esquina, turcos tomavam sorvete de pistache com cobertura de chocolate.
- Acho que não, me desculpe.
- Me dê cinco marcos.
- Por quê?
- Para pagar a conversa.
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*O verde violentou o muro: visões e alucinações alemãs (1.ed. 1984), de Ignácio de Loyola Brandão, para mim ainda não perdeu seu encanto. Ele conta as experiências do autor que viveu parte do cotidiano alemão sob a existência do Muro de Berlim. No livro destaca-se, obviamente, o Muro, porém mais que isso, destaca-se a Vida tentando prevalecer em cada fresta, embora cercada pelos fantasmas do pós-guerra, do espectro nazista, da ameaça nuclear, da reconstrução e divisão da Alemanha, entre outras catástrofes para aquele país. O livro tem uma narrativa simplesmente maravilhosa. Vale a pena ler. (Dica: já existe uma edição ampliada que relata o retorno do autor na pós-queda do Muro).