sábado, 3 de dezembro de 2011

Com a puta: [na] Potsdamerstrasse*



Por Ignácio de Loyola Brandão



- Alô, sorriu a puta. Coxas de fora, saída de um filme de Fellini, instalada na porta do hotel-bar-cassino. No alto de uma escada, fliperamas lampejam sinais luminosos.

- Alô.

Ela disse qualquer coisa em alemão. Devia corresponder aos nossos: Vamos fazer nenê? Quer uma coisa diferente? Bunda e língua. Que tal um amorzinho? E daí em diante.

- Ich verstehe nicht (não entendo), respondi.

- Lat’s make love?

- Wieviel? (Quanto?)

- Depende.

- Do quê?

- Do que você gosta.

- Normal.

- Não parece.

- Tenho cara de gostar do quê?

Fiquei curioso.

- Eu sei aqui comigo.

- Diz.

- Lá em cima.

- E se você não faz o que gosto?

- Não existe uma puta em Berlim que faça o que eu faço.

- Quanto?

- 50 marcos para você. Tem cara de bom sujeito.

- Você acabou de me dizer que não pareço normal.

- Um homem pode ser um bom sujeito e não gostar de coisas normais.

- 50 marcos é muito para mim.

- 40, então, mas tem de ser rápido.

- Demoro.

- Está brincando? Você é o quê? Não tem cara de turco. Francês?

- Brasileiro.

- Não são bons de cama.

- Como sabe?

- Tenho quatro clientes.

- Podem ser exceções.

- Peguei logo os quatro piores? Não, tem umas putas que são brasileiras e elas dizem a mesma coisa.

- Bem, só tenho 25 marcos.

- E pensa que vai fazer o que com isso?

- Amor com você.

- Com esse dinheiro você sobe e faz sozinho.

- Prefiro o peep-show, é mais barato.

- Só que lá você fica fechado na cabine. Aqui é no quarto e você pode tocar em mim com uma das mãos.

- Só com uma?

- A outra está ocupada, não é?

- É.

- Vai ou não vai? Estou perdendo fregueses com toda essa conversa.

Oito da noite, terça-feira, ninguém na Potsdamerstrasse, a não ser os habitantes drogados e bêbados. Na esquina, turcos tomavam sorvete de pistache com cobertura de chocolate.

- Acho que não, me desculpe.

- Me dê cinco marcos.

- Por quê?

- Para pagar a conversa.


Ignácio de Loyola Brandão, O verde violentou o muro, 1985, pp. 85 – 86. 

______
*O verde violentou o muro: visões e alucinações alemãs (1.ed. 1984), de Ignácio de Loyola Brandão, para mim ainda não perdeu seu encanto. Ele conta as experiências do autor que viveu parte do cotidiano alemão sob a existência do Muro de Berlim. No livro destaca-se, obviamente, o Muro, porém mais que isso, destaca-se a Vida tentando prevalecer em cada fresta, embora cercada pelos fantasmas do pós-guerra, do espectro nazista, da ameaça nuclear, da reconstrução e divisão da Alemanha, entre outras catástrofes para aquele país. O livro tem uma narrativa simplesmente maravilhosa. Vale a pena ler.  (Dica: já existe uma edição ampliada que relata o retorno do autor na pós-queda do Muro).
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