As antigas festas dos ciclos da natureza se chamam agora Natal e Semana Santa, e já não são homenagens aos deuses pagãos, mas solenes rituais de veneração à divindade que ocupou seus dias e se apoderou de seus símbolos.
A festa Hilária, herdada ou inventada por Roma, saudava a chegada da primavera. A deusa Cibele se banhava no rio, convocando a chuva e a fertilidade dos campos, enquanto os romanos, vestidos com roupas extravagantes, capotavam de rir. Todos debochavam de todos, e não havia no mundo nada ou ninguém que não fosse digno de servir de mote para rir.
Por decisão da Igreja Católica, essa festa pagã da hilaridade, que rindo celebrava a ressurreição da primavera, coincide a cada março, dia mais, dia menos, com a ressurreição de Jesus, de quem os evangelhos não registram um único riso.
E por decisão da Igreja, o Vaticano foi construído no exato lugar onde a festa da alegria culminava. Ali, na vasta praça onde ressoavam gargalhadas da multidão, agora se ouve a voz grave do Papa recitando as páginas da Bíblia, um livro do qual ninguém nunca ri.
Eduardo Galeano. in. Espelhos. Ed. L&PM, 2009, pp. 61-62.