terça-feira, 24 de abril de 2012

As perguntas da memória e da saudade*



A vida segue. Quantas vezes afirmamos que o tempo passa e somos pouco espertos com relação as suas tramas? Não há desistências gerais, pois o mundo está sempre recebendo pessoas. Há controles, desânimos, cuidados com as taxas de natalidade. Não se pode ficar preso às andanças do desejo, sem arriscar outros caminhos. É preciso criar diálogos para nos aproximarmos dos mistérios, decifrarmos respostas cruciais que nos atormentam. É difícil. Existem vazios, falta de fôlegos, atmosferas turbulentas, temores de frustração. Somos oceanos instáveis e profundos. Sabemos navegar o necessário e, às vezes, vacilamos no meio das tempestades. Não nos livramos dos momentos de saudades e arrependimentos.

O jogo dos sentimentos não se enquadra em cartografias consolidadas. Cabe questionar o que se move, se há espaço para acreditar em tipologias e descansar a cabeça no travesseiro perdido no armário antigo. Impedir que as perguntas surgissem é impossível. Por vezes, nos distraímos e nos colocamos fora de qualquer combate. Ninguém está longe das ilusões, cultivando fortalezas inexpugnáveis. A memória pede idas e vindas, é impaciente, lança-se com suas narrativas surpreendentes acudindo os esquecidos e os apáticos. Nossa gramática é pequena para conseguir contar as aventuras das saídas e entradas nos labirintos.

As tragédias não se compõem, apenas, na literatura. Elas são encenadas no cotidiano, vestem-se de incompletudes, ressuscitam seus mitos e chamam seus espectadores anônimos. Inconformismos e transcendências possuem disfarces nunca definitivos. Se o desenho da vida não é único, a repetição é uma ameaça à dor. Tudo tem uma relatividade que nos arrasta para confundir décadas com séculos. Dizer que a vida é um sopro é ser devoto da eternidade. Portanto, o reino da suspeita não se afasta da história, as fragilidades não permitem que os sentidos arrebatem o perfume da onipotência.

A teimosia é a atriz principal das cenas de resistência. Como se entregar ao ritmo de qualquer destino se o mundo circula estimulado pela travessia dos conflitos? O esclarecimento é, sempre, incompleto, mas ajudar a configurar visões e a adormecer enfraquecendo os pesadelos. Colhemos antecipações. Elas não são profecias. As pessoas partem e nós partimos. Nada de testemunhar realidades sem tocar em magias e pretensões. A confusão se faz, mas não se fixa. A pausa ameniza os sinais ofuscantes das amarguras, transfere o tempo do calendário para o tempo da fuga. A redenção absoluta mora nas utopias políticas e religiosas.

Os desgovernos do mundo não merecem celebrações. Querer que o definitivo ocupe lugares é nos afundarmos na mentira mais perigosa. A eternidade namorou uma estrela que pulava entre as escuridões para não perder seu encanto. Talvez seja uma brincadeira de divindades assustadas com o vadio do medo. Apenas, as aparências cercam nossas agonias. No meio das incertezas, as perguntas não se calam com as respostas. A saudade é o sentimento maior que atravessa o coração, porque o deslocamento das perdas não cessa. Não adianta quantificar. A medida da falta é extravagante, como a lágrima irreverente do corpo sem respiração.


Antonio Rezende. in. Astúcias de Ulisses


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