A vida segue. Quantas vezes
afirmamos que o tempo passa e somos pouco espertos com relação as suas tramas?
Não há desistências gerais, pois o mundo está sempre recebendo pessoas. Há
controles, desânimos, cuidados com as taxas de natalidade. Não se pode ficar
preso às andanças do desejo, sem arriscar outros caminhos. É preciso criar
diálogos para nos aproximarmos dos mistérios, decifrarmos respostas cruciais
que nos atormentam. É difícil. Existem vazios, falta de fôlegos, atmosferas
turbulentas, temores de frustração. Somos oceanos instáveis e profundos.
Sabemos navegar o necessário e, às vezes, vacilamos no meio das tempestades.
Não nos livramos dos momentos de saudades e arrependimentos.
O jogo dos sentimentos não se enquadra
em cartografias consolidadas. Cabe questionar o que se move, se há espaço para
acreditar em tipologias e descansar a cabeça no travesseiro perdido no armário
antigo. Impedir que as perguntas surgissem é impossível. Por vezes, nos
distraímos e nos colocamos fora de qualquer combate. Ninguém está longe das
ilusões, cultivando fortalezas inexpugnáveis. A memória pede idas e vindas, é
impaciente, lança-se com suas narrativas surpreendentes acudindo os esquecidos
e os apáticos. Nossa gramática é pequena para conseguir contar as aventuras das
saídas e entradas nos labirintos.
As tragédias não se compõem,
apenas, na literatura. Elas são encenadas no cotidiano, vestem-se de
incompletudes, ressuscitam seus mitos e chamam seus espectadores anônimos.
Inconformismos e transcendências possuem disfarces nunca definitivos. Se o
desenho da vida não é único, a repetição é uma ameaça à dor. Tudo tem uma
relatividade que nos arrasta para confundir décadas com séculos. Dizer que a
vida é um sopro é ser devoto da eternidade. Portanto, o reino da suspeita não
se afasta da história, as fragilidades não permitem que os sentidos arrebatem o
perfume da onipotência.
A teimosia é a atriz principal
das cenas de resistência. Como se entregar ao ritmo de qualquer destino se o
mundo circula estimulado pela travessia dos conflitos? O esclarecimento é,
sempre, incompleto, mas ajudar a configurar visões e a adormecer enfraquecendo
os pesadelos. Colhemos antecipações. Elas não são profecias. As pessoas partem
e nós partimos. Nada de testemunhar realidades sem tocar em magias e
pretensões. A confusão se faz, mas não se fixa. A pausa ameniza os sinais
ofuscantes das amarguras, transfere o tempo do calendário para o tempo da fuga.
A redenção absoluta mora nas utopias políticas e religiosas.
Os desgovernos do mundo não
merecem celebrações. Querer que o definitivo ocupe lugares é nos afundarmos na
mentira mais perigosa. A eternidade namorou uma estrela que pulava entre as
escuridões para não perder seu encanto. Talvez seja uma brincadeira de divindades
assustadas com o vadio do medo. Apenas, as aparências cercam nossas agonias. No
meio das incertezas, as perguntas não se calam com as respostas. A saudade é o
sentimento maior que atravessa o coração, porque o deslocamento das perdas não
cessa. Não adianta quantificar. A medida da falta é extravagante, como a
lágrima irreverente do corpo sem respiração.
Antonio Rezende. in. Astúcias de Ulisses