ou livrando-se de uma grande encrenca
Você foi deixado. Levou um pé-na-bunda assim, sem
mais nem menos, de uma hora para outra. Justo no momento em que achava
"agora vai". Você nunca se sentiu tão feliz ao lado daquela pessoa;
era capaz de buscar água na peneira para ele (ou ela), comprar a lua ou as
estrelas, mesmo que isso implicasse um financiamento a perder de vista com
juros de 7% ao mês. E eis que você dorme ouvindo um cintilante "eu te
amo" e acorda com um "não dá mais".
Pobre criatura. Seja bem-vindo ao time dos
enjeitados. Se serve de consolo, o primeiro fora é o pior. Depois, você acaba
aprendendo a cair, a se levantar, sacudir a poeira e ir dançar mais um frevo.
Mas até lá, vai ser dose. Você vai chorar todas as suas pitangas, vai falar
dele (ou dela) em todas as rodas e no dia-a-dia para quem se aproximar de você,
seja o padeiro da esquina ou o guarda de trânsito ― que veio te multar porque
você não pára de chorar ao volante, não vê que o sinal abriu e fechou pelo
menos umas três vezes e está atravancando toda uma fila de carros que buzinam
lá atrás, sem contar que quase atropelou a velhinha com os dois poodles, pouco antes.
O pé-na-bunda de um abduzido é a coisa mais
triste que pode haver em termos de relacionamentos amorosos. Triste porque ao
longo da abdução o sujeito jogou o amor-próprio no lixo, submetendo-se às
vontades do outro mais do que deveria. E agora, vai ter que voltar à lata de
lixo, revirá-la até encontrar seu velho e puído amor-próprio novamente.
O abduzido não é um amante maduro. É aquele que
quando dá por si, deixou de ouvir o rock de que tanto gostava, de ver os
filmes cult ou os jogos de futebol, de
vestir-se como sempre vestiu só porque Fifonho (ou Bodoquinha) não gosta. É
aquele cara que se vê, certo dia, assistindo ao Domingo Legal no sofá da namorada (ou do namorado),
com tios, primos e o papagaio do cônjuge, depois de um almoço-família, cujo menu inclui a famosa geléia de mocotó da
matriarca e o frango na cerveja da tia gorducha de pele oleosa.
O abduzido geralmente é feliz em sua santa
ignorância e acha que as reclamações de parentes e amigos quanto ao seu sumiço
não passam de implicâncias com sua "alma-gêmea". Ele não consegue ir
até o ponto de ônibus sem a ciência dela. Viajar com a turma, encontrar os
amigos numa festa ou bar sem a presença dessa figura vigilante e onipresente,
então, nem pensar. Ainda assim, o sorriso abestalhado que o abduzido estampa na
cara não se desfaz nem mesmo quando Fifonho (ou Bodoquinha) o xinga ou o
repreende em frente aos outros. Para se ter noção da dimensão do problema: ele
chega a achar que flores de plástico são lindas.
Inevitavelmente, chega o dia em que o cônjuge se
cansa de tanta servidão, de tanta falta de personalidade. Convenhamos, um
capacho não inspira muita admiração. Nesse dia, então, você recebe sua carta de
alforria. E ela vem assim, com um gosto amaríssimo, junto com uma bofetada e um
ponta-pé. Você fica arrasado, achando que não poderia ter te acontecido coisa
pior e acha que será impossível viver sem os maus-tratos a que estava tão
acostumado. Mas, vai por mim, depois que a tempestade passar, você vai perceber
que foi a melhor coisa que te aconteceu na vida e que se livrou de uma enorme
encrenca.
Claro, bem antes disso, você vai olhar para o
alto e pensar: "30 andares... deve ser o suficiente". Então, vai
subir no alto do Edifício Acaiaca, em Belo Horizonte (ou no Mirante do Vale, em
São Paulo; ou ainda no Rio Sul Center, no Rio). Vai encenar essa novela
mexicana durante um bom tempo até se tocar que não tem coragem para tirar a própria
vida. Mesmo assim, ainda não se convencerá de que era ruim com Fifonho (ou
Bodoquinha), melhor sem ele (ou ela).
Os amigos vão tentar te distrair e te chamar
para a balada. Mas sua fossa será tamanha que vai afugentar quem chegar perto
e, ô meu Deus, até mesmo os amigos vão ter que se revezar para te aturar. Que
seja, amigo é prá isso.
Você ainda vai procurar seu ex-amor uma dezena
de vezes, ensaiando uma reconciliação ou negociar um tempo, quem sabe... Não,
você ainda não entendeu que quanto mais se arrasta, menos há chance de volta. E
que, bobeando, o fato de não ter volta seja uma sorte maior do que ganhar a
Mega-Sena acumulada por três vezes seguidas.
Depois de um mês sem fazer a barba (ou sem se
depilar), você recebe um e-mail de consolo daquela amiga (ou amigo)
que não via há anos. Um e-mail simples e curto, mas tão terno que faz
você entender que o que recebia da ex (ou do ex) estava mais próximo do tapa do
que do afago.
A garçonete do bar, ou o peão da obra da frente,
dá uma piscadela e você pensa que não está tão mal assim. Aí você reage. Decide
virar a página. Em menos de uma semana, já deu um trato no visual, se inscreveu
num monte de curso que vivia dizendo que queria fazer ― inclusive o de gaita de
fole, aquele instrumento desengonçado que Fifonho (ou Bodoquinha) sempre achou
brega ―, encontra os amigos e resolve distribuir seu amor para a humanidade no
carnaval de Diamantina.
Quando finalmente você se sente curado, o
maldito Fifonho (ou a Bodoquinha) reaparece como que por milagre. Pensou melhor
e percebeu que não pode viver sem você. E o que você faz?
Pára tudo!
Este é um momento decisivo, é o clímax de toda a
sua curva dramática.
Já disse um sábio chinês que errar uma vez é
humano, duas é burrice. Como o próprio termo diz, ex é ex. Já era. Passado, capicce? Toda maneira de amor
vale a pena mas, em se tratando de relacionamentos amorosos, uma lei é
universal: a da evolução das espécies. É o famoso "a fila anda".
Sobretudo se você acaba de sair de uma abdução.
Suas pernas ainda tremem ao encontrar a figura,
você sabe que se deixar, acaba tendo uma, duas, todas as recaídas do mundo. A
carne é fraca? Então, ponha a mente para funcionar:
1º passo: Corra, Lola! Run, Forrest!
Evite o encontro ao máximo e vá procurar a sua
turma. Vá viver! Vocês não têm mais nada para tratar (a não ser que tenham
feito filhos no meio do caminho, aí a história é outra). O negócio é fazer as
malas assim que sentir a aproximação do ponta-pé e sair correndo sem olhar prá
trás. Lá na frente você vai começar a diminuir a toada, apreciar a paisagem,
conhecer gente nova e interessante, assuntos instigantes e nem vai se lembrar
de onde veio. Lembra o curso de gaita de fole? Pois é, aquilo lá rendeu um
contato com a companhia de sapateado escocês Lord of the Dance e, veja só,
aquela bailarina ruiva de cabelo cacheado tá te dando mole desde o primeiro
ensaio. Fifonho? Bodoquinha? Quem?
2º passo: Ex não é amigo.
Ok, vocês foram o melhor amigo um do outro quando
eram namorados. E nada impede que se falem amigavelmente vez por outra. Mas não
vá achar que devem combinar saídas e encontros como se nada demais tivesse
acontecido. Aconteceu. A casa caiu! E se você foi mesmo abduzido, uma amizade
nefasta como aquela não acrescentará nada para a sua evolução pessoal. Deixe os
encontros a encargo do destino: atravessando o sinal no meio da rua, xingando
no trânsito, essas coisas...
3º passo: Deixe de ser masoquista!
Guardar e ler a cada dois dias as cartas, os e-mails, ver as fotos, ficar
remoendo todas as lembranças, manter aquela quantidade de bibelô ou bichinho de
pelúcia que só servem para acumular poeira e mágoa... Nada disso vai aplacar a
falta que você está sentindo. Pelo contrário, isso só prolonga ainda mais o
sofrimento e te faz perder um preciosíssimo tempo produtivo. Jogue tudo fora.
Queime essa tralha toda, doe, jogue no rio, faça o que quiser, mas limpe o
ambiente.
4º passo: Provocar ciúme pra quê?
Você saiu daquele relacionamento se sentindo a
lasca da unha encravada do soldado raso da Primeira Guerra Mundial. Nada mais
compreensível que agora queira "dar o troco", mostrar que está bem,
que deu a volta por cima. O problema é quando quer mostrar que está melhor que
o outro. Você começa a se render a subterfúgios na internet, por meio de amigos
para fazer o ex (ou a ex) saber que você agora é secretário pessoal do Bill
Gates ou que está "pegando" uma das (ou um dos) modelos do São Paulo
Fashion Week. Se você comprar um boneco vudu numa loja de macumba, dá na mesma.
Você acaba dedicando horas do seu precioso tempo nessa atividade estéril de
continuar roendo o mesmo osso. Não percebe que se continuar na sua pode
encontrar um prato de filé mignon mais à frente.
5º passo: Produza!
Quer esquecer alguém? Lembre-se de você mesmo e
trabalhe! Trabalhe como nunca trabalhou antes na sua vida. 8, 9, 10, 15 horas
por dia. Quando cansar, vá para a academia ou vá pedalar um pouco. Gaste
energia numa caminhada. Nos fins-de-semana, divirta-se até desopilar o fígado.
Vá ao cinema sozinho. Finalmente você não se sentirá obrigado a assistir
aqueles filmes idiotas de ação ou aquelas baranguices românticas. A pipoca
renderá mais e, de quebra, você se instrui com filmes edificantes.
6º passo: Não se iluda.
Tudo bem, você terá freqüentes arroubos de
carência. Mas não vá achar que sair à caça em bares vai aplacar essa sua falta
e te por diante da sua alma-gêmea, a quem você finalmente poderá confiar toda a
sua existência e o seu amor. Pode "pegar" dez ou doze numa única
noite. A cara-metade que lhe é destinada não estará nessa lista. Quando
acordar, aquela ressaca moral e o vazio vão te dar um esfuziante "bom
dia". E isso se repetirá ad
infinitum, até você entender e aceitar que ninguém aparece na vida do outro
para "salvá-lo".
Quando você finalmente aprender a cuidar de si
mesmo e se virar, vai acabar topando com outra pessoa em igual condição e então
contribuirá para a teoria darwiniana da evolução das espécies. Se não achar que
é capaz de tal proeza, ao menos tenha certeza de que Fifonho ou Bodoquinha
nunca mais terão assento no seu sofá. Como diria Armstrong (o cara da lua, não
o trompetista, por Deus!), isso seria um pequeno passo para um homem, mas um
salto gigantesco para a humanidade.
Pilar Fazito. in. Digestivo Cultural