Paixão é a alucinação amorosa.
E os apaixonados são de duas
espécies: os generosos que se dão inteiramente, se jogando estabanadamente nas
mãos do outro e os possessivos, que querem que o outro se incorpore a
eles convertidos em sombra viva.
Mas talvez haja
um terceiro tipo: o dos que não se apaixonam, mas despertam paixões.
Na impossibilidade ou no medo de se apaixonarem, posto que paixão é
abismo, alimentam-se da paixão alheia, ou melhor, incentivam a paixão
em torno para preencher algo em si.
Paixão, por isto é arma de
dois ou três gumes. E corta. E sangra. Se não sangrou, se não teve
insônia, se não desesperou, se não ficou com a alma dependurada num fio de
telefone, se não ficou exposto na úmida espera, paixão não era.
Talvez fosse desejo, que o desejo
é diferente.
No desejo a gente quer o outro
para possuí-lo apenas passageiramente. É como se fosse um apetite
despertado por um fruto ou alguma comida saborosa que saliva nossos sentidos. É
como se fosse possuir um objeto na vitrina. É um desejo de posse
natural, estético, erótico, mas sendo mais desejo que qualquer outra coisa,
isto vai passar.
E passa.
Na paixão, não.
Na paixão, a gente quer se fundir
com o outro. Para sempre. De corpo e alma. Perde totalmente o centro de
gravidade. Transfere a moradia de seu ser para a casa do ser alheio. É como se
vestisse a pele do outro. E se o outro disser:-Não estou gostando de seu nariz,
a gente opera, corta, joga fora, não só o nariz, mas qualquer outra coisa,
porque nesse caso, qualquer palavra ou sugestão é ordem.
Vidas renascem com paixões.
Outras viram cinzas por causa dela. E há pessoas que são como aquela ave
mítica- a Fênix, vivem renascendo das cinzas da paixão.
Marx, portanto, errou
completamente . Não é a luta de classe que move a história, é a paixão. Paixão
é a revolução a dois. Ela desafia o sistema.
Existe diferença entre amor e
paixão?
No amor, claro que há luminosa
coabitação. Mas o amor é também paciente construção. Já a paixão é
arrebatamento puro e aí a voragem é tão grande que pode tudo se esgotar de
repente.
Quantas vezes se apaixona numa
vida?
Há gente que vive se inventando
paixões para viver, que vive morrendo de amor. E há gente
que organiza toda sua vida em torno de uma única e consumidora
paixão.
Paixão é transgressão. Quanto
mais obstáculos inventarem, mais o apaixonado os saltará. E o apaixonado não
tem medo do ridículo. O que lhe importa o mundo, se o seu mundo é apenas o
mundo da pessoa amada?
A paixão tem cor. Mais que
vermelha e rubra, é roxa. Pressupõe morte e ressurreição.
De paixão vivemos muito.
De paixão morremos sempre.
Affonso Romano de Sant´anna. in. Tempo de Delicadeza. Ed. L&PM, 2007.