sexta-feira, 6 de abril de 2012

Variações em torno da Paixão*



Paixão é a alucinação amorosa.

E os apaixonados são de duas espécies: os generosos que se dão inteiramente, se jogando estabanadamente nas mãos do outro e os possessivos, que querem que o outro se incorpore a eles  convertidos em sombra viva.

Mas talvez haja um  terceiro tipo: o dos que não se apaixonam, mas despertam paixões. Na impossibilidade ou no medo de se apaixonarem, posto que  paixão é abismo, alimentam-se da paixão alheia, ou melhor, incentivam a  paixão em torno para preencher algo em si.

Paixão, por isto é arma de dois  ou três gumes. E corta. E sangra. Se não sangrou, se não teve insônia, se não desesperou, se não ficou com a alma dependurada num fio de telefone, se não ficou exposto na úmida espera, paixão não era.

Talvez fosse desejo, que o desejo é diferente.

No desejo a gente quer o outro para possuí-lo apenas passageiramente. É como  se fosse um apetite despertado por um fruto ou alguma comida saborosa que saliva nossos sentidos. É como se fosse possuir um objeto na vitrina. É um  desejo de posse natural, estético, erótico, mas sendo mais desejo que qualquer outra coisa, isto vai passar.

E passa.

Na paixão, não.

Na paixão, a gente quer se fundir com o outro. Para sempre. De corpo e alma. Perde totalmente o centro de gravidade. Transfere a moradia de seu ser para a casa do ser alheio. É como se vestisse a pele do outro. E se o outro disser:-Não estou gostando de seu nariz, a gente opera, corta, joga fora, não só o nariz, mas qualquer outra coisa, porque nesse caso, qualquer palavra ou sugestão é ordem.

Vidas renascem com paixões. Outras viram cinzas por causa dela. E há pessoas que são como aquela ave mítica- a Fênix, vivem renascendo das cinzas da paixão.

Marx, portanto, errou completamente . Não é a luta de classe que move a história, é a paixão. Paixão é a revolução a dois. Ela desafia o sistema. 

Existe diferença entre amor e paixão?

No amor, claro que há luminosa coabitação. Mas o amor é também paciente construção. Já a paixão é arrebatamento puro e aí a voragem é tão grande que pode tudo se esgotar de repente.

Quantas vezes se apaixona numa vida?

Há gente que vive se inventando paixões para viver, que vive morrendo de amor. E há gente que  organiza toda sua vida em torno de uma única e consumidora paixão.

Paixão é transgressão. Quanto mais obstáculos inventarem, mais o apaixonado os saltará. E o apaixonado não tem medo do ridículo. O que lhe importa o mundo, se o seu mundo é apenas o mundo da pessoa amada?

A paixão tem cor. Mais que vermelha e rubra, é roxa. Pressupõe morte e ressurreição.

De paixão vivemos muito.

De paixão morremos sempre.



Affonso Romano de Sant´anna. in. Tempo de Delicadeza. Ed. L&PM, 2007.



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