domingo, 8 de abril de 2012

Beijo cinematográfico*

The Kiss (1896)

O primeiro beijo da história do cinema foi registrado pela Edison Company num curta-metragem de 1896, intitulado The May Irwin-Jonh C. Rice Kiss, ou simplesmente The Kiss. Inspirado numa cena da famosa comédia da Broadway The Widow Jones, o filme consiste unicamente em um homem e uma mulher flagrados em pleno beijo (numa ação que Rice interrompe diversas vezes para cofiar seu portentoso bigode, à medida que os quadros vão passando). Mas aquilo que era tido como aceitável nos palcos acabou sendo considerado inadmissível na tela do cinema - os 30 segundos em close foram tachados de pornográficos pelo público da época. Um editorial escandalizado de Herbert S. Stone, em Chicago, chegou a afirmar: "O espetáculo prolongado daqueles dois atracados na boca um do outro foi, francamente, algo difícil de suportar... Certas coisas demandam interferência das forças policiais". De qualquer maneira, não houve registro de nenhuma prisão ligada ao filme.

Ironicamente, os clássicos do cinema mudo produzidos na década de 1920 guardam algumas das cenas de beijo mais hipnotizantes da história do cinema. Theda Bara (1890-1955), com seu olhar marcante, reinava absoluta nas telas como a primeira vamp do cinema - apelido dado por conta do seu jeito "vampiresco", ou sexualmente agressivo, de ser. Em A Fool There Was (1915), a estrela seduz um diplomata casado, vira sua carreira de cabeça para baixo e por fim o abandona mergulhado na própria ruína financeira. Na sequencia final, quando parece que as coisas vão voltar ao normal em sua vida, Bara reaparece em cena exigindo um beijo. O pobre-diabo sucumbe e se transforma em seu amante. Os beijos  "devoradores" de Theda Bara continuaram seduzindo a imaginação dos espectadores em produções como Sin (1915), Cleopatra (1917), An Unchastened Woman (1925) e Madame Mystery (1926).

Theda Bara (1885-1955)

Mas quando a produção cinematográfica começou a esquentar de verdade, as cenas ardentes de sexo (e violência) iniciaram uma reação dos guardiões da moral e dos bons costumes da sociedade americana. Em 1934, um código de ética criado pela Associação dos Produtores e Distribuidores de Cinema da América, dirigida na época por Willian H. Hays, definiu uma série de regras rígidas que permaneceria em vigor ao longo das duas décadas seguintes. O chamado Código Hays continha orientações sobre o que poderia ser mostrado ou não pelo cinema americano, e as diretrizes a respeito das cenas de beijo e sexo eram muito claras.

[...]

Segundo o código, o tratamento das "cenas de alcova" devia sempre ser orientado pelo "bom gosto e sutileza". As camas eram sempre duplas cada uma delas ostentando um abajur em sua cabeceira. E nem mesmo casais casados podiam ser mostrados deitando-se juntos numa cama - um dos parceiros tinha que manter pelo menos um dos pés no chão durante a cena do beijo.

Ainda assim, em 1939 houve duas cenas memoráveis de beijo num único filme: ... E o Vento Levou. Baseado na novela romântica escrita por Margaret Mitchell em 1936, o épico ambientado na Guerra Civil americana conta a história de Scarlett O'Hara (Vivien Leigh) e Rhett Butler (Clark Gable), um dos casais mais tempestuosos da ficção. A primeira cena de beijo eletrizante acontece na estrada para Atlanta, onde Rhett tenta enlaçar uma relutante Scarlett para despedir-se dela. Astutamente, lhe diz que quer "levar a lembrança dos seus beijos" para quando estiver no campo de batalha, e que ela não precisa se preocupar com o quanto o ama - tudo o que ele deseja é aquele único beijo. 

Vivien Leigh e Clark Gable, ... E o Vento Levou (1939)

A cena é inesquecível, com a silhueta do casal contra o tom laranja abrasador da paisagem em torno. Como Scarlett não lhe dá uma resposta, Rhett a agarra á força e rouba o beijo. Bem mais adiante na história, com Rhett e Scarlett já casados, ele chega em casa bêbado e, mais uma vez, beija a heroína a força. O impacto que a cena tem nas páginas do romance foi transposto magistralmente para a tela pelos realizadores do filme. Embora Scarlett a principio resista, a força da paixão de Rhett é arrebatadora. E quando ela enfim cede e retribui, o beijo ardente enche os dois de prazer. A cena que flagra o sorriso de Vivien Leigh na manhã seguinte continua sendo até hoje uma das mais sugestivas da história do cinema.


Julie Enfield. in. A história íntima do beijo. Ed. Matrix, 2008, pp. 200-203.


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