domingo, 11 de março de 2012

As pessoas de Pessoa*



Por Eduardo Galeano


Fernando Pessoa, ou seria alguma de suas Pessoas?

Era um, era muitos, era todos, era nenhum.

Fernando Pessoa, burocrata triste, prisioneiro do relógio, solitário autor de cartas de amor que não mandava jamais, tinha um manicômio dentro de si.

De seus habitantes conhecemos os nomes, as datas e até as horas de nascimento, os horóscopos, os pesos e as estaturas.

E as obras, porque todos eram poetas.

Alberto Caeiro, pagão, zombador da metafísica e demais acrobacias dos intelectuais que reduzem a vida aos conceitos, escrevia erupções;

Ricardo Reis, monárquico, helenista, filho da cultura clássica, que nasceu várias vezes e teve vários horóscopos, escrevia construções;

Álvaro de Campos, engenheiro de Glasgow, vanguardista, estudioso da energia e temeroso do cansaço de viver, escrevia sensações;

Bernardo Soares, mestre do paradoxo, poeta em prosa, erudito que dizia ser esforçado ajudante de algum bibliotecário, escrevia contradições;

e Antonio Mora, psiquiatra e demente, internado em Cascais, escrevia elucubrações e loucubrações;

Pessoa também escrevia, quando eles dormiam.


in. Espelhos, Ed. L&PM, 2009, p. 262.


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