quinta-feira, 8 de março de 2012

Canção para álbum de moça*



Bom dia: eu dizia à moça / que de longe me sorria. / Bom dia: mas da distância / ela nem me respondia. / Em vão a fala dos olhos / e dos braços repetia / bom-dia a moça que estava, / de noite como de dia, / bem longe de meu poder / e de meu pobre bom-dia. / Bom-dia sempre: se acaso / a resposta vier fria / ou tarde vier, contudo / esperarei o bom-dia. / E sobre casas compactas / sobre o vale e a serrania / irei repetindo manso / a qualquer hora: bom dia. / O tempo é talvez ingrato / e funda a melancolia / para que se justifique / o meu absurdo bom-dia. / Nem a moça põe reparo, / não sente, não desconfia / o que há de carinho preso / no cerne deste bom-dia. / Bom dia: repito à tarde / à meia-noite: bom-dia. / E de madrugada vou / pintando a cor de meu dia / que a moça possa encontrá-lo / azul e rosa: bom-dia. / Bom-dia: apenas um eco / na mata (mas quem diria) / decifra minha mensagem, / deseja bom o meu dia. / A moça, sorrindo ao longe, / não sente, nessa alegria, / o que há de rude também / no clarão deste bom-dia. / De triste, túrbido, inquieto, / noite que se denuncia / e vai errante, sem fogos, / na mais louca nostalgia. / Ah, se um dia respondesses / Ao meu bom-dia: bom-dia! / Como a noite se mudara / no mais cristalino dia!


Carlos Drummond de Andrade. in. Poesia Completa, 2006, pp. 266-267.

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