segunda-feira, 26 de março de 2012

Consciência da morte*


"Anjos", representação da morte infantil no Brasil dos oitocentos


Sabemos que a morte faz parte da vida e que nascer é começar a morrer (não conhecemos outra forma de vida senão a finita, a que se acaba...); sabemos que o ser humano é mortal, que todos havemos de morrer e que disso ninguém escapa. Não sabemos qual será a nossa hora nem se o fato de morrer é um ponto final absoluto. Tememos, por um lado, o sofrimento que eventualmente pode preceder a morte, e, por outro lado, tememos, com outra espécie de temor, que com a morte tudo se acabe para nós; nos angustia a ideia de uma aniquilação definitiva.

Sabemos, pois, que a morte não é um problema ou obstáculo - eventualmente superável -, mas sim uma condição. Essa condição nos é revelada, em parte, pela efemeridade. É óbvio que não há remédio que funcione contra a morte, e tampouco a saúde é esse remédio. Esse conhecimento nos acompanha por toda a vida e, inclusive quando se pretende mantê-lo em voluntário esquecimento, nos segue qual sombra sussurrante.

A consciência da morte dá motivo para a afirmação de que só o homem morre. Ainda que  normalmente expliquemos o contraste entre o inanimado, que passa, se desgasta, se destrói, desaparece, e o vivo, que morre, também se poderia dizer com uma certa propriedade que só o homem morre, já que só ele é consciente do morrer: a planta murcha, o animal expira, o homem morre. Sua vida está configurada pela consciência de sua mortalidade. As plantas e os animais também "morrem", porém não são conscientes disso; são finitos, mas ignoram sua finitude.


Josep. M. Esquirol. in. O respirar dos dias, Ed. Autêntica, 2010, p. 102.


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