domingo, 25 de março de 2012

O tempo que nos resta*



Há um simples e precioso conselho, exemplo de sabedoria prática, na Regra que escreveu São Benedito para seus monges: “Fazes as pazes antes do por do sol...” Fazer as pazes pode ser perdoar, desculpar-se, entender-se, falar-se, dar-se a mão, abraçar-se ou dedicar um simples olhar benévolo. Fazer as pazes também é uma maneira de dar tempo ao outro. Como convivência entre as pessoas nem sempre é fácil e cômoda, podendo haver mal-entendidos, erros, ofensas, invejas, cuidados e diversas desavenças, deve-se procurar agir de maneiras que permitam continuar convivendo; uma dessas maneiras de agir é fazer as pazes.

Mas, segundo São Benedito, é oportuno fazer esse gesto antes que o sol se ponha, ou seja, antes que o dia acabe; evidência que nunca deveríamos esquecer: que o dia acaba, que a vida humana e seu tempo são finitos. A expressão mais inequívoca de tal finitude é a mortalidade, e, provavelmente, a característica que mais define a nossa condição é que somos conscientes de nossa mortalidade. Somos ou teríamos de sê-lo, já que, às vezes, por efeito de diversas espécies de anestésicos, vivemos e fazemos as coisas como se isso houvesse de durar para sempre. Assim pois, o bom conselho beneditino, além de deixar clara nossa capacidade de amar o próximo, é também uma maneira de manter desperta a consciência de nossa condição finita e mortal.

Há, todavia, outro aspecto que merece ser destacado: a partir de um ponto de vista tanto individual como coletivo, saber que o tempo não se amplia indefinidamente, e sim que tudo chega ao fim, nos torna mais responsáveis. Certamente temos de responder pelo que está em nossas mãos enquanto ainda temos tempo. Apenas à primeira vista isso pode parecer um pouco chocante, mas logo depois se descobre sua lógica: quando sabemos que não temos todo o tempo do mundo, e sim um tempo limitado, é que decidimos fazer o esforço. A consciência da finitude leva à ação.

Paradoxalmente, é quando há previsões a curto e médio prazo que o alarme dispara e se começa a estar disposto a fazer alguma coisa. Poderíamos apresentar um sem número de exemplos e situações sociais nas quais não se agiu até que o mal já fosse iminente. Em muitos desses casos já não se pode evitar a desgraça. Ou seja, não se agiu (não se fizeram as pazes) quando realmente fazia falta (antes do pôr do sol). Contudo, “melhor tarde do que nunca”..., sempre se pode ter a sorte de acabar salvando alguma coisa.


[fragmento]


Josep M. Esquirol. in. O respirar dos dias, Ed. autêntica, 2010, pp. 99-100.


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